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A CONTROVERSA HISTÓRIA DA CAPELA DE NOSSA SENHORA

 

Conto ficcional

Por Ricardo Verissimo Salem

 

Quem passa pela Travessa Chico Luiz e vê a linda Capela de Nossa Senhora, hoje transformada em Museu de Arte Sacra de São José dos Campos, não imagina que o prédio já foi alvo de discussões acerca da sua construção e finalidade. Conta-se que a origem da capela tem uma versão sacra e outra profana, ambas movidas pelo amor e devoção. Conclusões à parte, as duas histórias são interessantes e valem a pena conhecer.

 

Versão Sacra

De acordo com os registros oficiais, conta-se que um casal, dono de muitas terras e propriedades no centro de São José dos Campos (SP), era assíduo freqüentador das missas da igreja Matriz da cidade. A mulher, de saúde frágil e delicada, era muito devota de Nossa Senhora, e por infortúnio do destino acabou contraindo tuberculose [peste que assombrou a população no início do século XX], permanecendo acamada em estado grave por um longo período.

Com febre alta e sofrendo de delírios por dias e noites, conta-se que ela teve uma visão de Nossa Senhora, com quem conversou e prometeu uma capela em troca da cura e do restabelecimento de sua saúde. Não se sabe se esse encontro divino foi fruto dos constantes delírios causados pela febre alta, mas, milagrosamente, a mulher teve repentina melhora e se curou da peste.

Conforme prometido, ela fez a doação de um terreno ao lado do Mercado Municipal, na Travessa Chico Luiz, e mandou que construíssem uma capela em homenagem a Nossa Senhora. A promessa foi cumprida e a escritura do terreno e do prédio foi passada em posse de Nossa Senhora de Aparecida. Consequentemente, o documento está em posse da Igreja Católica.

O prédio foi tombado como Patrimônio Histórico do município e transformado no Museu de Arte Sacra.

 

Versão profana, popular e fantástica

 No início do século XX, São José dos Campos ainda era pouco desenvolvida e entre os compromissos sociais da cidade estavam os eventos religiosos. A Igreja Matriz, edificada no centro da cidade, era a única igreja católica na região, sendo freqüentada por toda sociedade joseense, sobretudo por um jovem casal de família tradicional, que costumava ir às missas e ajudar nas ações sociais da paróquia. Era também no centro da cidade que havia a famosa Rua do Fogo, hoje conhecida como Rua Sete de Setembro. Das versões contadas para o curioso nome da rua, a primeira diz que a Rua Sete ficou conhecida como Rua do Fogo porque nas imediações havia uma casa de fogos de artifício que sofreu um incêndio, tendo explodido todo o estoque de fogos e acordado a pacata São José, como uma festa de reveillon. Já a segunda versão, mais pitoresca, conta que o apelido da Rua Sete se deu porque o lugar tornou-se ponto de prostituição de mulheres, que ficavam nas esquinas a procura de clientes e boêmios.

O fato é que as duas situações existiram por ali, mas atendo-se a segunda versão, quando a noite caía, a Rua do Fogo se animava com jovens vindas de diversas cidades do Vale do Paraíba, e até mesmo da capital. Sem história e donas de uma beleza invejável, as moças eram conhecidas pelos prazeres e pela desonra, por esse motivo não tinham sobrenome.

Certa vez, um homem pertencente a uma tradicional família da cidade voltava para casa desacompanhado de sua esposa, quando este decidiu passar pela Rua do Fogo. Qual não foi sua surpresa quando ele avistou uma jovem e sentiu como se uma flecha lhe tivesse atingido o peito.

Longilínea, de traços fortes e cabelos longos, Aurora tinha poder de sedução sobre os homens.

Ao ver Aurora, esse homem sentiu uma paixão mais forte do que a razão e, nutrindo amor por ela e por sua esposa, ele desafiou os padrões da época ao manter uma relação extraconjugal aos olhos de toda a cidade. A jovem esposa, devota de Nossa Senhora, por amar muito seu marido e por não querer ficar desamparada, aceitou Aurora na vida do casal, e abertamente recebeu a jovem na vida conjugal, ensinando-lhe bons modos para a vida em sociedade.

Depois de um tempo, passaram a sair juntos, para eventos sociais e religiosos, e chegaram a frequentar a Igreja Matriz de São José dos Campos.

O padre, enfurecido por considerar aquilo uma indecência e por incitar outros casais a maus hábitos no casamento, proibiu terminantemente que o trio frequentasse as missas na Igreja Matriz.

- Aqui na casa de Deus vocês não entram!

- E quem é o senhor para proibir que nós cristãos não freqüentemos a missa? - retrucou Aurora.

- Ora, eu sou o emissário de Deus!

- Padre, tenha calma, só queremos cumprir com nossas obrigações religiosas - ponderou o homem.

- O senhor e sua digníssima esposa são bem-vindos, mas com essa messalina, não entram!

- Enquanto a sociedade hipócrita quis apedrejar Maria Madalena, Jesus foi o único que lhe estendeu a mão, padre hipócrita! - afrontou Aurora.

Ao ouvir isso, o padre se revoltou e fechou o portão da igreja, deixando os três do lado de fora.

- Aurora, esse comentário com certeza não foi apropriado. Eliminou toda e qualquer possibilidade de freqüentarmos a igreja - disse a esposa.

- E agora Nho, Nho? Eu não posso deixar de confessar e de rezar à Virgem Nossa Senhora!

- Nem eu! E agora? –emendou a esposa.

- Se você não resolver isso, eu vou-me embora! - disse Aurora.

- E se eu mandar construir uma capela, uma igrejinha modesta para que possamos rezar em paz? - propôs o homem.

- Capela sem padre não tem função! - alertou a esposa.

- Posso contratar missas particulares de padres que estejam de passagem por São José dos Campos. O que acham?

- Pra mim é o suficiente, assim nenhum padre fofoqueiro fica sabendo de nossas intimidades...

- E poderemos cumprir com nossas obrigações religiosas! - comemoraram as duas.

- Nho, Nho, mas eu quero que essa capela seja em homenagem a Nossa Senhora, e que seja perto da Rua do Fogo, para que todas as moças renegadas pela sociedade possam freqüentar e cumprir com suas obrigações religiosas. Afinal, também somos filhas de Deus!

E assim, em 1908, num terreno de posse do casal, o homem mandou que se construísse a Capela de Nossa Senhora Aparecida. Em estilo colonial, o prédio foi erguido ao lado do Mercado Municipal, na Travessa Chico Luiz, bem próximo à Rua do Fogo.

Sua arquitetura chamava atenção pela delicadeza de traços e pela imponência. As missas encomendadas pelo trio ficavam cheias pela curiosidade de cidadãos que queriam entrar na casa de Nossa Senhora. A pedido de Aurora, o prédio foi doado em escritura para Nossa Senhora da Aparecida, dizem as más línguas que foi uma forma de afrontar o padre da época.

 

Nota: As versões do conto “A controversa história da Capela Nossa Senhora” são recriações da versão histórica e popular sobre a doação da capela que atualmente é o Museu de Arte Sacra de São José dos Campos. A versão oficial registrada conta que o prédio foi doado como pagamento de uma promessa a Nossa Senhora - na ocasião uma mulher foi curada de uma enfermidade. Já a versão popular foi recriada pela proximidade do prédio da capela com a “famosa” Rua do Fogo – atual Rua Sete de Setembro, que antigamente recebeu esse apelido por haver uma concentração de mulheres e homens de vida boêmia no local. Também existe a versão de que o nome Rua do Fogo tenha sido influenciado por um grande incêndio provocado por uma explosão em uma casa de fogos de artifício naquela região. Daí o nome Rua do Fogo.

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+ Sobre a Capela de Nossa Senhora

Museu de Arte Sacra

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Construída no início do século XX, por volta de 1908, a Capela Nossa Senhora Aparecida compõe o centro histórico de São José, ao lado de outros prédios, como a antiga Câmara e o atual prédio da Biblioteca Cassiano Ricardo. O local foi usado como oratório particular de uma família tradicional do município e foi doado em 1980 à Mitra Diocesana de Taubaté. Em 1997, ela foi adquirida pela Prefeitura de São José dos Campos; em 2005, foi restaurada e aberta dois anos depois. Em 2014, o prédio passou por revitalização e foi reaberto como Museu de Arte Sacra da cidade, pela Fundação Cultural Cassiano Ricardo.

O local é aberto à visitação pública, possuindo um importante acervo composto por imagens, paramentos, objetos litúrgicos, oratórios, livros religiosos, bandeiras de procissão, além de uma série de outras peças, datadas do século XVIII ao século XX, confeccionados por artistas e artesãos anônimos, a maioria da região do Vale do Paraíba. A Capela de Nossa Senhora é preservada pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Artístico, Paisagístico e Cultural (COMPHAC).

 

Fonte: http://servicos2.sjc.sp.gov.br/noticias/noticia.aspx?noticia_id=3389

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