AS TRÊS FIGUEIRAS DO CEMITÉRIO DE SANTANA
Por Maria Carolina. Edição de Ricardo Salem
Conto ficcional com base na lenda popular sobre as
três figueiras do cemitério de Santana
A cidade de São José dos Campos (SP) começou o início de sua expansão urbana a partir do bairro de Santana e da linha ferroviária que passava por ali trazendo cargas e pessoas. Muitas delas vieram para se tratar da tuberculose e para trabalhar nas fábricas que se instalaram pela cidade. Nesse período houve a expansão econômica, com a instalação de fábricas e desenvolvimento do comércio local, com a criação de armazéns, farmácias, pensionatos, vilas operárias e igrejas. Tudo era interligado na cidade, que crescia de forma horizontal.
Santana foi o bairro mais populoso da cidade. Com tradição católica muito forte, por ali se concentrava toda vida e cadeia social de São José. Como de costume, muitos imigrantes passavam pela região e nessa época havia um acampamento de ciganos com algumas famílias que se instalaram no bairro. Conhecido por ser um povo alegre e pagão, a população santanense respeitava o espaço dos ciganos, mas não era dada às intimidades.
Numa das noites, o acampamento cigano entrou em festa, pois o casal Flora e Artêmio teria naquela noite o seu primeiro filho. Em volta da fogueira, as famílias se reuniram com música de violinos e muita dança. Para os ciganos, toda chegada de criança era especial, significava a renovação da vida e o universo com uma mensagem de esperança; era também o sinal da continuidade dos ciganos. Flora deu a luz a três meninas, os choros foram ouvidos por todos do grupo, que comemoraram até o amanhecer com cantos, danças e palmas.
Flora escolheu os nomes da filhas, almejando beleza, saúde e riqueza. A primeira menina foi batizada como Alba - sua pele clara dava sinais de que seria uma bela mulher; a segunda menina foi batizada como Esmeralda - seus olhos verdes anunciavam paz e prosperidade; e a terceira menina foi batizada como Ariana - significado de força e beleza, capaz de provocar grandes mudanças.
As meninas cresceram cercadas de alegria e conhecimento e se tornaram belas jovens. Três filhas, três ciganas que cresceram livres e conhecedoras dos movimentos do céu e da terra. Alba, Esmeralda e Ariana eram o complemento uma da outra, as três juntas representavam o oposto do pensamento das mulheres da época. Embora os ciganos tivessem muitas tradições, nas quais a mulher é submissa ao homem, as três jovens conservavam o coração puro e selvagem, em grande parte ensinado por Flora, que desde cedo cuidou para que suas filhas fossem independentes, batalhando pela igualdade entre homens e mulheres, tanto no trabalho como no amor.
Para ajudar as famílias, as meninas passaram a trabalhar nas praças da cidade. Alba, Esmeralda e Ariana tinham o dom da quiromancia - a arte de ler mãos, de enxergar as possibilidades do futuro e o interior da alma por meio das linhas e características da mão. Além disso, todas as tardes elas dançavam graciosamente ao som de violinos e palmas, provocando homens e crianças que se contagiavam pelos sorrisos e alegrias das três irmãs.
Dizem que elas chegavam a ser pedidas em casamento em plena Praça de Santana. Muitos homens ficavam enfeitiçados por elas e propunham vida nova em troca delas abrirem mão do passado cigano. Em alguns casos, as irmãs se enamoravam, ninguém escapa da paixão a primeira vista. Mesmo assim, elas eram autossuficientes e altivas. Diziam que só se casavam se o moço seguisse a tradição cigana.
– Está louca? Eu ser cigano, nunca! É um povo pagão!
- Paganismo é o culto e o respeito às forças da natureza. Assim como teu Deus que é onipresente, nossos deuses e deusas atuam num perfeito equilíbrio, assim como seu Deus!
- Gosto de você, mas é você que tem de deixar de ser cigana! Larga tudo e vem comigo.
– Nunca deixarei meu povo para acompanhar um amor falso. Quando o amor é verdadeiro, um tem de ceder, mas o que você me pediu é um absurdo – respondiam.
Vendo isso, a população de Santana passou a não gostar daquelas moças. Dizia-se que elas enfeitiçavam os homens santanenses. E esses feitiços faziam muitos homens virarem a cabeça, desmancharem casamentos, noivados e até amizades de longas datas, visto que muitos homens se apaixonavam, às vezes, pela mesma irmã.
Certo dia, as meninas misteriosamente morreram, não sabe se de morte natural ou causada. Naquele dia, Santana amanheceu cinza, sem cores, sem sons de palmas e violinos e com a praça vazia. Estavam todos no velório das três jovens. Após a despedida de familiares, amigos e cidadãos que simpatizavam com os ciganos seguiram em cortejo para o sepultamento das jovens.
Porém, a população santanense não queria de jeito nenhum que aquelas moças fossem enterradas no cemitério do bairro.
- Sinto muito, mas vocês não podem enterrar a meninas nas covas do cemitério.
- Que loucura é essa? Por que não?
- O cemitério é para pessoas do bem e não para o povo pagão, sem religião, que faz rituais e coisas que a população não aprova!
- Principalmente para essas três moças, que viravam a cabeça dos homens da cidade.
A população se revoltou e não permitiu que os corpos das moças fossem enterrados no cemitério do bairro. A família então, em forma de protesto e revolta, tomou a decisão de enterrar os três corpos do lado de fora do cemitério de Santana. As covas foram abertas e ficaram junto ao muro do local.
Sete palmos abaixo da terra, sete anos depois, três figueiras lindas nasceram no lugar da sepultura de cada filha. Misteriosamente, ninguém ousou cortar essas árvores e elas cresceram imponentes, criaram fortes raízes que se alastraram por debaixo do muro. Essas três árvores estão até hoje lá, grudadas ao lado do muro do cemitério de Santana. Dizem que quem passa por ali, principalmente se for moço bonito, acaba misteriosamente enfeitiçado pelas três moças ciganas.
Dizem que sobre a figueira paira certa desconfiança de ser azarenta, árvore do diabo, com influências maléficas sobre o homem. Certamente, por ser a árvore símbolo da desobediência de Adão e Eva que, ao perderem a inocência e se descobrirem nus, se cobriram com folhas de figueira. Algumas pessoas dizem que em determinadas noites ao se passar pela região, pode se ouvir o choro das figueiras.
Curiosamente, as três árvores viraram símbolo de amores proibidos no bairro. Quando começavam os namoricos, e os casais queriam ficar tranqüilos, sem interrupções, era sob as folhas das figueiras, à noite, que eles se escondiam.
Nota: O conto “As três figueiras do cemitério de Santana” foi recriado com base na lenda popular sobre as figueiras do cemitério de Santana e referências literárias de contadores de “causos” e escritores, como Ludmila Saharovsky.
+ Sobre as três arvores
Conto de tradição oral, a explicação para o nascimento das três figueiras juntas, coladas ao muro do cemitério de Santana, se baseia na negativa de sepultamento das três belas ciganas no local. Por conta disso, sepultaram-nas do lado de fora. Sobre o túmulo de cada uma delas teria nascido uma árvore.
Fonte: recolhendohistoria.blogspot.com/2013/08/a-figueira-arvores-encantadas-de-sao.html