A TECELAGEM PARAHYBA NA SOCIEDADE JOSEENSE
Por Juliana Fiebig e Ricardo Salem
Conto ficcional baseado no relato oral de José Expedito Fiebig e na história sobre o mercado da Tecelagem Parahyba, contada por JurdinaAuricchio Rojas no Portal Museu da Pessoa
São José dos Campos (SP) sempre teve fama de cidade industrial, sobretudo pelas empresas que se instalaram em suas terras. A Tecelagem Parahyba foi uma delas. O plano de expansão da cidade previa a doação de terrenos e a isenção fiscal por até 20 anos para que empresários instalassem suas empresas na cidade, contribuindo para geração de emprego e renda.
O impulso para a industrialização começou em 1950, entretanto as primeiras indústrias apareceram ainda na fase sanatorial, no início do século XX - a Tecelagem Parahyba foi uma das primeiras empresas a se instalar na cidade.
Fundada por um grupo de empresários brasileiros e portugueses, em 14 de março de 1925, a Tecelagem Parahyba S/A era voltada para o ramo têxtil, com o objetivo de fabricar tecidos de algodão.
A primeira unidade da fábrica, com galpões de seis mil metros quadrados, foi construída no terreno de pouco mais de seis alqueires, e inaugurada em julho de 1927, com uma produção mensal de 60 mil cobertores e 350 mil metros de brim. Instalada no bairro de Santana, onde hoje é o Parque da Cidade, a tecelagem movimentou a economia e a vida social de São José dos Campos.
Olivo Gomes era corretor da bolsa de valores, trabalhava com corretagem de café e algodão. Com a quebra da bolsa em 29, Gomes foi convidado para analisar os ativos fixos da fábrica e atuar como consultor financeiro, passando em pouco tempo ao cargo de gerente.
Em 1933, Olivo Gomes adquiriu os ativos da fábrica e, na condição de principal acionista, se tornou proprietário e presidente da Tecelagem Parahyba.
Na década de 30, a fábrica recebeu o benefício de 25 anos de isenção dos principais impostos. Nessa época a tecelagem produzia 170 mil cobertores mensalmente e tinha 1,2 mil funcionários, dentre eles o jovem José, que aos 18 anos se tornou funcionário da fábrica.
Na década de 40, a marca “Cobertores Parahyba” passou a dominar o mercado interno e aumentou consideravelmente suas exportações devido à guerra.
Olivo Gomes ficou conhecido na região como um empresário de vanguarda. À frente da Tecelagem Parahyba, decidiu construir vilas operárias, que foram destinadas a moradia dos diretores e técnicos. Seus projetos habitacionais nas imediações da fábrica promoviam a manutenção vigiada da mão de obra da tecelagem.
Com visão empreendedora, o modelo de Vila Operária trazia a proposta de que os empregados pudessem morar e viver nas dependências da fábrica, ficando confinados no ambiente de trabalho, de forma que não se desgastassem de outras formas.
Além da escola de alfabetização para os funcionários, a Tecelagem Parahyba também oferecia cursos preparatórios. A fábrica também disponibilizava atendimento médico, odontológico, farmácia, supermercado e até cabeleireiro para seus funcionários.
Para abrigar seus funcionários, foi necessário projetar um complexo fabril e de residências, formado por duas fazendas (Santana e Monte Alegre), usina de leite e diversas casas para abrigar diretores e funcionários.
A moeda vigente era uma caderneta, na qual o operário tinha suas dívidas anotadas, para desconto no final do mês. Conta-se que um vereador chegou a propor um projeto de lei na Câmara para emancipar o bairro de Santana, para que se tornasse uma cidade independente de São José dos Campos. O projeto não chegou a ser votado.
Ao final de 1940, a produção anual era de cerca de quatro milhões de cobertores. Os funcionários chegavam a quatro mil pessoas, dos quais 2,5 mil atuavam na cidade.
A residência de Olivo Gomes, no Parque da Cidade, é um dos maiores exemplos da arquitetura moderna em São José. Com projeto de Rino Levi, a construção marca a ruptura com o padrão europeu usado na construção da fábrica, como nas indústrias do começo do século passado.
Talvez uma das maiores inovações tenha ocorrido em janeiro de 1953, com a construção do primeiro grande supermercado em São José dos Campos. Instalado num terreno da tecelagem na rua Rui Barbosa, o empreendimento passou atender a Cooperativa dos Empregados da Tecelagem Parahyba e a população de Santana. Diferente dos armazéns, o mercado trouxe um sistema de autosserviço com as primeiras gôndolas e os carrinhos de compras,dando aos clientes o poder de escolha e a sensação de liberdade.
Era uma novidade que logo chamou atenção de toda sociedade santanense e desbancou os armazéns locais. O primeiro supermercado foi considerado um sucesso. Os operários adoraram ter a liberdade de escolher seus produtos, sem a fiscalização de donos de armazéns e suas cadernetas. Olivo Gomes, enquanto pitava seu cachimbo observando seus operários entusiasmados com o poder de compra, teve outra ideia ambiciosa.
- Atirou no que viu e acertou no que não viu, hein Doutor Olivo!?! - disse José, um dos operários, após sair do mercado com sorriso largo e sacolas de compras.
- Pois é, meu caro, e olha que não imaginei que criar um mercado sem ares de armazém não seria nada demais...
- Doutor Olivo, acho que isso dará samba!
- Já deu, Zé! Amanhã cedo, no primeiro sinal da fábrica, esteja na minha sala, tenho uma missão pra você!
- Claro, Doutor Olivo! O senhor vai aprontar o quê?
- Aprontar nada, vou projetar! Vou criar um supermercado fora dos muros da tecelagem. Algo que essa cidade jamais imaginou!
O supermercado era aberto ao público, muito grande e bonito, cujas gôndolas abrigavam uma enorme variedade de produtos alimentícios. Além disso, tinha bicicletas, carrinhos para bebê, rádios. Já para funcionários, tinha a cooperativa, porém, caso eles quisessem levar algum parente às compras, eram feitas no nome do funcionário.
O empreendimento agradou a população, entretanto, quem não ficou muito contente com a novidade foram os donos dos pequenos armazéns. Por conta da concorrência com o novo supermercado, pequenos negócios armazéns entraram em crise.
- Aqui na Siqueira Campos, tinha um armazém. O que houve, que sumiu? - perguntouAntonio.
- Ué, fechou! Minha família só comprava lá. Mas desde que seu Olivo abriu aquela beleza de supermercado, tem tanta novidade que mamãe só compra lá agora... - respondeu uma moça.
- E outra, os preços lá são melhores, a Tecelagem tem muitos legumes e verduras nas fazendas, além dos laticínios que chegam num preço mais barato- completou Maria.
- Carambola, aí lascou... Desse jeito, a tecelagem vai quebrar o comércio local. Todos os funcionários vão só consumir no Supermercado da Parahyba... - concluiu Antonio.
Nessa época, José cursava o ginásio no período noturno Colégio Olavo Bilac. O relógio marcava oito horas da noite quando veio um funcionário da Parahyba chamar todo mundo para ir correndo ao supermercado, que estava em chamas.
Dezenas de operários tentando salvar tudo que podiam lá de dentro, amontoando os produtos no refeitório. O que se salvou foi distribuído entre eles.
A partir de então, para não afetar a economia local, e sobretudo para não provocar a ira dos donos de armazéns, Olivo Gomes resolveu não criar mais nada fora dos muros da Tecelagem Parahyba. Sobre o incêndio, nada ficou comprovado, mas uma das versões dá conta que o mesmo foi causado pela queda de um balão.
Mesmo com o fechamento do estabelecimento, a ideia inovadora de supermercado havia se alastrado mais rápido do que um vírus, causando uma pandemia. Não demorou muito e supermercados de diferentes redes e empresas se alastraram por todo o Brasil, deixando o nome de São José dos Campos e da Tecelagem Parahyba marcados na história, por mais uma inovação empresarial.
Nota: O conto “A Tecelagem Parahyba na sociedade joseense” é um texto recriado com base no relato oral de José Expedito, ex-funcionário da empresa, e da história do Mercado da Tecelagem, narrada por JurdinaAuricchio Rojas. Segundo o Departamento de Patrimônio Histórico da FCCR, o mercado, após o incêndio, passou a funcionar na rua Rui Barbosa, num terreno que era da Tecelagem Parahyba e atendia a comunidade de Santana. Há registros fotográficos e documentais.
+ Sobre a Tecelagem Parahyba
A Tecelagem Parahyba S/A foi fundada em 14 de março de 1925 por um grupo de empresários brasileiros e portugueses, na cidade de São José dos Campos (SP), com o objetivo de fabricar tecidos de algodão.
A primeira unidade da fábrica, com galpões de seis mil metros quadrados foi construída no terreno de pouco mais de seis alqueires, e inaugurada em julho de 1927 com uma produção mensal de 60 mil cobertores e 350 mil metros de brim. Entre 1953 e 1956, a área da fábrica foi ampliada e passou a ter 60 mil metros de área construída.
Em 1929, a crise mundial quase fez com que a empresa fosse fechada, mas Olivo Gomes, que havia sido contratado como gerente de fábrica, se entusiasmou com o negócio e decidiu investir e diversificar sua produção, introduzindo, a partir de 1930, modificações no maquinário para que se pudesse fabricar cobertores. A família Gomes assumiu o negócio e levou a Parahyba para a liderança da categoria, exportando para o mundo e colocando a marca no imaginário do brasileiro com a mítica propaganda que na década de 1950 anunciava: “já é hora de dormir, não espere mamãe mandar, um bom sono pra você e um alegre despertar”.
Nos anos 60, precisamente em 1967, a Parahyba lançou no mercado brasileiro os cobertores e mantas sintéticos, feitos com fibras acrílicas, deixando de produzir o cobertor de resíduo de algodão em São José dos Campos e transferindo esta produção para o nordeste do país, nas cidades de Moreno e Recife (PE). Em 1974, foi a vez do lançamento dos cobertores e mantas com “pelo alto”, que se tornaram um dos principais itens de sua fabricação. Na década de 70, exportou para diversos países e atendia uma exigente clientela, como as das lojas americanas Bloomindale’s, Sears, Macy’s, Saks e diversos magazines franceses, como GalerieLafayete e Printemps.
Na década de 80, em função da hiperinflação, que elevava os custos diariamente, a produção continuou em escalas menores, até que economicamente, na década de 90, a família Gomes, resolveu desligar-se da indústria. A atividade industrial continua hoje mantendo o mesmo padrão de qualidade que marcou a Tecelagem Parahyba, que tem atualizado sua linha de produtos com o que há de melhor e mais atual no mercado mundial de produtos de cama e decoração, mantendo o carinho e o apelo emocional do aconchego de cada lar.