O CASAL SEPARADO PELAS ÁGUAS DO RIO PARAÍBA
Conto ficcional a partir de lenda popular de relato oral
por Juliana Fiebig
A cidade que encontro não é mais a cidade que conheço
As mulheres que encontro na cidade, não conheço
Eu não me reconheço
Por aqui havia muitas mulheres caminhando entre ruas e balanços
Antes, balanças de vai e vem de criança
Hoje as encontro em balanços de ônibus
Suas canções de berço, já não escuto mais
As canções sobre tanques de roupas sujas, não ouço
A cidade que encontro pede mulheres cobertas por panos e redes
Eles pescam nossos livros e matam nossas serpentes
Mesmo assim, no balanço da vida, com a vassoura sendo avião,
Seus vôos fizeram desse chão um lugar de aconchego, resistência e solidão
As mulheres que redescubro, entre banhados e vales, resistem,
Ou melhor, “transistem” ao homem armado
Vendem bala de coco, salgados de aço,
Soldam parafusos e conduzem linhas
As mulheres que reencontro (contam e cantam seus desejos),
Por muito tempo, foram furtadas de si mesmas
Meninas de açougue, levadas ao matadouro
Mas como outra espécie de gente, fingem ser rebanho
Dotadas de tamanha inteligência, escapam, uma a uma da fila do abate
Às vezes, dão as mãos na tentativa de fugirem todas juntas em um breve gosto de união
Às vezes funciona, outras tantas não
A cidade que encontro é sempre a mesma, sempre com saudade do sol
As mulheres que encontro na cidade, reconheço
Eu me recomeço
Foi uma dessas tantas mulheres que me contou essa história:
Ela aconteceu ali na zona norte, na margem do Rio Paraíba, na Vargem Grande. Contam que havia uma grande fazenda, com uma casa simples bem no meio do terreno. O contorno das bordas eram bambuzais e flores, não tinha cerca morta, só viva. A casa foi construída por uma mulher, Dona Maria - logo jovem, teve dois filhos, que cresceram ali, correndo entre as bordas vivas da fazenda.
A maior diversão das crianças miúdas era nadar no lago. Água grande, cheia de saltos e aventuras. Tantas que o tempo passou ligeiro. Sem perceberem, já eram grandes e tinham pelos.
Foi bem aí que Dona Maria se cansou de ser viva por inteiro e mergulhou na vastidão. Deu um adeus ligeiro, se recolheu e virou estrela. Não deu tempo de firmar a lição. As crianças, agora adultas, não aprenderam de imediato a liberdade que se tem na união. Enfurecidas, começaram a dividir as cabras, as vacas, as árvores, todo e qualquer pedaço de chão.
Filho1: - Este pedaço de chão é meu!
Filho2: - Este daqui é meu!
Filho1: - Respeite a minha cerca!
Filho2: - Daqui para cá é meu, e não tem negociação...
Dividiram tudo, colocando um arame grosso e farpado. Decidiram assim, cercar a terra com contorno morto. Até que chegaram para dividir um lago formado pelas águas do Rio Paraíba. Tamanho ódio que foi crescendo, queriam colocar cerca na água. Imagina, cercar o rio? Água é coisa que tem memória, nasce livre e lembrança não se apaga. Liberdade é uma coisa que não tem fim.
Filho1: - Este lado do lago é meu!
Filho2: - E este lado do lago é meu! Se acaso colocar um dedo para cá, eu corto sua mão….
O tempo passou e os dois irmãos também se multiplicaram, casaram, tiveram filhos, cada qual no seu lado do lago. Um menino e uma menina. Como criança gosta de nadar, ficaram admirando a beleza da água, e na gastura de não poder entrar no lago, de tanto olhar para água, os dois esbarraram no amar.
Os encontros eram codificados com a música de um violino que ele tocava todas as tardes ao pôr do sol. Ela, ao ouvir a música, ia ao seu encontro para uma serenata solitária. A vontade de atravessar o lago só crescia, até que um dia, o jovem violinista resolveu se aventurar.
As águas calmas do lago guardavam um mar revolto do rancor dos irmãos. Sem saber nadar, o jovem violinista afundou e morreu afogado. Sua amada presenciou tudo sem poder fazer nada, além de suplicar para que o lago devolvesse o corpo do amado garoto.
Foi uma tristeza só. O lago de tão sufocado por estar cercado, sufocou o moço apaixonado. E como água tem memória, o corpo não foi possível de achar. Colocaram até vela acessa para boiar e parar onde estava o corpo do moço, mas nada funcionou. De tanta briga, o lago virou amaldiçoado e toda noite o violino cismava em tocar. E assim foi. Passou luas, e ninguém se aproximava daquela água.
Até que um dia, a moça que lágrima já não tinha mais, sem cerca no coração, foi pertinho do lago e molhou a mão. Como um pulo de gato, o lago devolveu o corpo do amado, que foi enterrado, lá da cerca do outro lado.
Nota: O conto “O casal separado pelas água dos Rio Paraíba” é a recriação de um conto popular sobre amores impossíveis, que tem o referido rio Paraíba como palco do conflito entre duas famílias
+ Sobre o Rio Paraíba do Sul
No livro “Vale do Paraíba-Velhas Fazendas”, o escritor Sérgio Buarque de Holanda destaca que a tradução mais comum entre os tupinólogos para a palavra ‘Paraíba’ é ‘rio ruim’, mas não há uma definição do motivo que teria originado essa denominação. Ao contrário disso, no entanto, o Paraíba tem sido mais do que generoso com a população estabelecida as suas margens ao longo dos anos, irrigando plantações, movendo indústrias e matando a sede de homens e animais.
A Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba é uma divisão espacial cuja delimitação territorial é desenhada pela própria natureza. É uma região delimitada por pontos altos de relevo que ‘encaminham’ a água das chuvas para os pontos mais baixos formando os cursos de água.
A entrada da água na bacia ocorre por meio das chuvas e dos fluxos de água subterrânea. As saídas são a evaporação, transpiração de plantas e animais e o escoamento de águas superficiais ou subterrâneas. O Brasil está dividido em 12 regiões hidrográficas e a Bacia do Rio Paraíba do Sul está localizada na Região Hidrográfica Atlântico Sudeste, que se destaca no cenário nacional pelo grande número de habitantes e relevância econômica em função da quantidade e variedade de indústrias que abriga. Essa situação, sinaliza um potencial de conflito por apresentar grande demanda hídrica e uma das menores disponibilidades relativas, colocando a água, mais do que nunca, na condição de recurso estratégico.
O Paraíba do Sul – Com 1.150 quilômetros de extensão, o rio percorre os estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Em março de 2006, uma expedição formada por pesquisadores e ambientalistas comprovou que a nascente do Rio Paraíba do Sul se localiza no município de Areias, a quase dois mil metros de altitude. Anteriormente acreditava-se, que a nascente pertencia ao município de Silveiras. A confusão ocorreu porque a nascente pertence a área de uma fazenda que está na divisa dos dois municípios. É essa nascente, do Ribeirão da Lagoa, que deságua no rio Paraitinga e se transforma em Paraíba do Sul quando encontra o rio Paraibuna, que nasce no município de Cunha.
O Paraitinga e o Paraibuna se fundem na represa de Paraibuna, no município de mesmo nome. Neste local, a mão do homem mudou o ponto de formação do Paraíba. Durante milênios o Rio Paraitinga desaguava no Paraibuna, no bairro da Barra, cerca de 3 km abaixo da cidade de Paraibuna. Com a construção da represa do Paraitinga, o rio foi totalmente barrado por um paredão de 104 metros, a maior represa de terra do Brasil. Com isso um pequeno morro, próximo ao Bairro Capim D´Angola, foi dinamitado em 1975, fazendo a junção das águas dos dois rios dentro do lago. Este ponto está 12 km acima da cidade. Assim, o trecho do rio que vai desde a represa de Paraibuna, no Bairro do Rio Claro, até o Bairro da Barra, com cerca de 15 km, que até então era o Rio Paraibuna, passou também a denominar-se Rio Paraíba. Nos três estados que atravessa, o Paraíba passa por 168 municípios, entre eles São José dos Campos e abastece uma população estimada em 13,5 milhões de pessoas, irriga mais de 60 mil hectares de plantações e é utilizado para produção de energia elétrica. Sua foz é na praia de Atafona, no município de São João da Barra (RJ).
Importância e degradação - O Rio Paraíba foi testemunha e participante das principais eras econômicas do país. A região teve destaque no ciclo do café e nos áureos tempos dos tropeiros, que transportavam em suas mulas produtos como algodão, fumo, açúcar, aguardente e até ouro. As margens do Paraíba se prestaram ainda às plantações de arroz, atividade desenvolvida até os dias atuais.
A era industrial começou por volta de 1940, trazendo grande desenvolvimento, acentuado ainda mais pela construção da Rodovia Presidente Dutra, que criou um corredor rápido de ligação entre os dois principais centros econômicos e de negócios do Brasil. Atrelados a esses fatores vieram o crescimento da população e do mercado da construção civil.
https://servicos2.sjc.sp.gov.br/media/293116/saojoseemdados4_fev.pdf