top of page
o mercado municipal.jpg
00:00 / 01:11

O MERCADO MUNICIPAL E A SEMENTE DA VERDADE

 

Conto ficcional com base em pesquisa histórica e conto folclórico

por Ricardo Salem

​​

Quem passa pelo Mercado Municipal de São José dos Campos (SP), conhecido como Mercadão, na Rua Siqueira Campos, não imagina quantas histórias aconteceram por lá. Inaugurado em 11 de março de 1923, o prédio foi construído com supervisão do mestre de obras Abrãozinho, durante o mandato do prefeito Coronel João Cursino, e fazia parte do projeto de melhoramento e expansão da cidade.

Na década de 30, não havia grandes lojas, shoppings e hipermercados, o que tornava o Mercadão um grande centro comercial para passeios e negócios. Aos sábados, o prédio ficava sempre lotado de comerciantes e clientes que vinham de diversas partes da cidade e de municípios vizinhos para vender e comprar mercadorias. Centenas de pessoas se reuniam no Mercadão e nas ruas do entorno. Eram donas de casa, pais chefes de famílias, moças e rapazes. Ali, iniciavam namoros, que eventualmente acabavam em casamento; os amigos fortaleciam as amizades; e os que divergiam, acabavam numa discussão acalorada, transformando o espaço do Mercado Municipal em um grande centro de convivência em São José dos Campos.

Os comerciantes eram os próprios produtores da zona rural que vendiam seus produtos, que eram expostos no chão sobre umtecido. Frutas, legumes, ovos, carnes, peixes, entre outros. Boa parte desses produtorestrazia seus produtos em cavalos, burros e carros de boi que ficavam estacionados nas travessas da Rua Siqueira Campos e atrás do mercado, na Travessa Chico Luiz.

Conta-se que muitos comerciantes traziam frutas e iguarias jamais vistas na cidade para essa travessa. Certa vez, uma cigana parou ali para ler a mão dos frequentadores do mercado e trouxe consigo algumas sementes muito bonitas. Facilmente chamavam atenção dos que passavam. Foi quando o Seu Tanaka, dono de uma das bancas de pastel do mercado, parou diante da tenda. Enquanto a cigana comia algumas sementes, ela perguntou sorrindo:

- Quer ler a sua sorte?

- Não, mas gostaria de saber que tempero é esse? - perguntou o comerciante.

- Isso não é tempero, é uma Semente da Verdade! Quem dela comer passará a dizer a verdade!

- Isso é sério? Como posso me certificar? - duvidou Seu Tanaka.

- Ora, pergunte-me algo e lhe direi - desafiou a cigana.

Neste instante, o homem cruzou os braços para trás e pensou...

- Está bem. Você consegue mesmo adivinhar o futuro e o destino de uma pessoa pelas linhas das mãos?

Sabiamente a cigana respondeu:

- Nós ciganas conseguimos ler as linhas das mãos e apontar os caminhos que você terá como opção, mas cabe ao ouvinte interpretar, pensar e escolher qual caminho quer seguir. Quem faz o futuro é você, ele poderá ser tortuoso, mas nunca uma linha reta.

- Como sei que isso é verdade? - desconfiou.

- Ora, o senhor acredita, mas duvida! Porém, é um homem de garantias.

- Isso é fato!

- Pois bem, a minha garantia para sua dúvida é que ao responder sua pergunta eu comi a Semente da Verdade - respondeu a astuta cigana.

Naquela manhã, Seu Tanaka comprou um pequeno punhado das sementes e saiu depressa para sua banca. O Mercadão estava cheio de fregueses e ele precisava se apressar para a produção dos pastéis.

Assim que chegou, deixou o pacote com as sementes em cima do balcão, colocou o avental, lavou as mãos e foi para cozinha preparar os recheios dos pastéis, enquanto sua filha Rita vinha ajudá-lo. Ao ver o pacote de sementes no balcão, Rita achou que se tratava de algum novo tempero e, sem consultar o pai, acrescentou as minúsculas sementes aos recheios, fechou a massa e deu início à fritura. Naquele sábado, a banca do Seu Tanaka vendeu pastéis acima do esperado. Foram diversos sabores, cada um mais delicioso que o outro. Formaram-se filas pelos corredores para comer o tal pastel do Tanaka. Mas não tardou e logo e ouviu-se um burburinho entre os corredores:

- Como assim eu ronco quando durmo? Você nunca disse isso! - falou uma mulher ao marido.

- Quem liberou a verba para reforma do mercado foi o partido opositor, mas eu falei que foi meu partido para conquistar o voto de vocês - disse um vereador que passava por lá em campanha.

- O chapéu panamá custa 15! Você tá vendendo por 30 e me fala na cara dura? - disse um cliente a outro comerciante.

- Esse vestido não cabe em você, é para mulheres magras!

De repente, as pessoas começaram a dizer impropérios umas para as outras, sem o mínimo de decoro, e uma discussão generalizada se instaurou. O mercado, que antes unia casais e amigos, virou um campo de batalha. Seu Tanaka ao ouvir os gritos saiu desesperado da cozinha e perguntou:

- O que houve? Por que as pessoas estão brigando?

- Não sei, meu pai, os fregueses comeram pastel e logo depois começaram a conversar e brigar uns com os outros.

Foi então que Seu Tanaka observou que as pessoas brigavam porque passaram a falar as verdades que vinham à cabeça.

- Cadê o pacote de sementes que eu deixei em cima do balcão?

- Sementes? Ué, eu achei que era algum tempero e usei nos recheios dos pastéis! – respondeu Rita.

- Não, menina! Aquilo eram Sementes da Verdade!

- Sementes do quê?

- Deixa pra lá! Fica aqui e toma conta de tudo. Vou tentar resolver essa situação!

Seu Tanaka então tirou o avental e saiu correndo em busca da cigana que havia lhe vendido as Sementes da Verdade. Ele correu por todos os corredores e não a encontrou. Então, próximo à porta de saída do Mercadão, ele ouviu uma música, com banjos, castanholas, palmas e gritos de saudações. Eram diversas ciganas que dançavam e rodopiavam. No meio delas estava a misteriosa cigana que havia lhe desafiado. Ele não pensou duas vezes e entrou no meio da roda, dançando de forma toda desengonçada para se aproximar dela.

- Preciso que me tire uma dúvida.

- Diga, meu caro comerciante.

- Como faço para acabar com o efeito da Semente da Verdade?

- A verdade só acaba quando você não tem mais o que revelar...

- Mas como acabo com a confusão? O mercado está um pandemônio!

- O efeito da semente dura apenas por um tempo, logo passa. Fique tranqüilo, meu caro comerciante, a verdade é tão curta quanto a linha de nossas mãos.

Naquela manhã, Seu Tanaka fechou a banca de pastéis mais cedo. Logo, as pessoas acalmaram seus ânimos e souberam da misteriosa semente, que apesar de saborosa, incitava quem dela comesse a dizer a verdade.

Os únicos fregueses que não voltaram tão cedo foram os políticos. Desde aquele sábado em que a Semente da Verdade apareceu no mercado, esse fenômeno de político frequentar esse local e comer pastel em época de campanha passou chamar a atenção. Sempre que candidatos a importantes cargos do país são vistos saboreando um delicioso pastel espera-se que eles falem a verdade.

​

​Nota: O conto “O Mercado Municipal e a Semente da Verdade” é um texto recriado a partir de dados históricos sobre o Mercado Municipal de São José dos Campos e do conto folclórico oriental “A Semente da Verdade”.

Mercadão (2).jpg
00:00 / 00:33

+ Sobre o Mercado Municipal de São José dos Campos

O Mercado Municipal de São José dos Campos é uma instituição centenária. Atualmente abrigado em um prédio erguido no início da década de 1920, no centro da cidade, tem o objetivo de atender a demanda da população joseense por alimentos frescos, ao mesmo tempo em que garante um impulso para o comércio regional. Inaugurado em 11 de março de 1923, o edifício possui 2.188,14 metros quadrados de área construída - aproximadamente três vezes o tamanho do prédio original. Em 4 de julho de 1994, ele foi transformado em Elemento de Preservação Nível 2 pela Lei Municipal 4595/94.

Nos anos 30, havia o grande dia do Mercadão: o sábado, quando, às manhãs, acolhia multidões. Donas de casa, chefes de família, moças e rapazes, todos se encontravam, para fazer compras ou apenas passear. Os produtores da zona rural tinham acesso livre para vender seus produtos. A maioria expunha seus produtos no próprio chão, sobre um pano de saco, ao longo das ruas internas do mercado. Eram principalmente verduras, legumes, frutas, ovos, frangos, farinha de mandioca e de milho e feijão, entre outros.  Os vendedores de peixe eram os próprios pescadores do Rio Paraíba, que expunham o pescado em bancas elevadas. Também podiam ser encontrados: fumo de rolo, trançado de couro como o chicote, laços, utensílios feitos de lata, vassouras, brinquedos de madeira, objetos de cerâmica como potes, moringas, talhas, panelões, louça para cozinha, apitos, bem como armazéns completos, bares com pastéis e outros comestíveis preparados na hora, tudo cercado pelos açougues.

Atualmente, o mercado reúne 90 comerciantes cadastrados pela prefeitura, que comercializam uma variedade de artigos, entre eles peixe, carne, verduras, legumes, pastéis e artesanato. O Mercado Municipal de São José dos Campos recebe atualmente a visita de 15 mil pessoas por mês.

 

Fonte: http://www.mmsjc.sitevale.com.br/_historia.html

bottom of page