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O CORPO SECO DA ÁRVORE CHORONA

 

por Izildinha Costa

Conto ficcional com base no conto popular sobre o

Corpo Seco e a árvore Chorona

 

Antigamente, nos bairros rurais de São José dos Campos, sempre que os céus anunciavam uma chuva muito forte, com raios e trovões, era comum mães e avós gritarem para que todos se abrigassem dentro de casa.

– Vem aqui me ajudar acender essas velas e rezar pra chuva cair de mansinho.

E nessa gritaria elas anunciavam dezenas de superstições para resguardar os seus...

- Cuidado com o espelho!

- Não deixe os chinelos virados de ponta cabeça!

- Sai da janela menino, que o raio cega você!

- Não pega em colher e faca!

Era isso que acontecia na casa de minha avó quando o céu fechava e as nuvens se juntavam no céu pra derramar a chuva. Ela me colocava para dentro de casa, junto com as minhas primas e quem mais estivesse na rua brincando com a gente; acendia a vela; rezava pra chuva cair de mansinho; e depois dava aquelas ordens que toda avó dá quando chove...

Para apaziguar os medos da chuva forte, ela começava a contar histórias. Umas ela mesmo tinha vivido, outras ela escutava trazidas pelo vento ou por algum conhecido que parava em frente a sua casa, lá no bairro de Santana, quando ela sentava perto da pitangueira, que está lá até hoje, pra pitar seu cigarro de palha.

Eu adorava as histórias que minha avó contava e tem uma que eu nunca esqueci. É a história do Corpo Seco, uma história que tem muitas versões, principalmente nas cidades do interior de São Paulo. Minha avó contava que quando uma pessoa era muito ruim, ela não ia nem pro céu e nem pro inferno, e nem a terra aceitava o corpo dessa pessoa.

Antigamente, tinha uma família muito rica aqui em São José dos Campos, e essa família tinha um filho muito bonito, charmoso, atraente. Pensa num homem bonito, agora multiplica por mil... Era esse o tamanho da ruindade do homem. Ele era muito ruim, tirava do seu caminho quem o incomodava, arrumava briga aonde ele ia, maltratava as moças que se apaixonavam por ele e diziam até que ele batia na mãe.

Certo dia, ele engravidou a filha de um coronel muito rico aqui de São José. O pai da moça exigiu casamento e ele não quis casar. Então o pai da moça quis fazer justiça com as próprias mãos e matou o tal rapaz.

Ele foi enterrado no jazigo da família, no final do corredor principal do cemitério do Centro. Desde esse dia, as noites no cemitério não foram mais as mesmas....Ouvia-se gritos, gemidos, uivos, saindo daqueles lados. O pai do moço não tinha paz com isso. Queria saber se era do túmulo do filho que saíam aqueles barulhos, mas não tinha coragem de ir até lá. Então resolveu oferecer metade da sua fortuna pra quem fosse até lá.

Ninguém queria aceitar esse desafio, mesmo com uma recompensa dessas. Mas existia aqui, antigamente, um homem muito valente, chamado João Valentão, que aceitou o desafio e, numa noite, foi até o túmulo do rapaz.

Quando ele cruzou a porta do cemitério, já sentiu um arrepio, mas continuou. Os gritos, uivos, gemidos começaram a invadir a cabeça de João, mas ele continuou. Quando chegou perto do túmulo, viu algo que parecia uma mão pra fora, deu uma estremecida, mas era valente e continuou. Quando chegou bem perto, o Corpo Seco pulou na sua corcunda e, como um carrapato, ele foi se entrelaçando ao corpo de João; abraçou suas costelas com os braços finos e com as pernas agarrou o jovem pela cintura, formando uma grande corcunda presa ao corpo do rapaz.

Ao sentir o peso em suas costas, João logo lembrou do que sua avó havia contado também nos dias de chuva. Ela disse que, quando um corpo seco grudava em alguém, só acontecia coisa ruim e que, para se livrar do peso desse do corpo, a pessoa teria que encontrar uma grande árvore e deixá-lo lá.

João lembrou que próximo ao cemitério do Centro, no bairro de Santana, onde hoje é o Parque da Cidade, havia a fazenda da família Olivo Gomes e, próximo à entrada, havia (e há) uma árvore da espécie Samaneasaman, conhecida popularmente por Chorona. Com idade média entre 90 a 100 anos, a Chorona tem 14 metros de altura e certamente poderia deixar o Corpo Seco por lá.

João não pensou duas vezes e seguiu para Santana. O Corpo Seco pesava mais do que saco de batata. Foi uma caminhada longa até chegar aos pés da grande árvore. Seus troncos e galhos formavam uma espécie de guarda-chuva. Ao encostar em seu caule, João rezou três vezes:

-Crendiospai, Crendiospai, Crendiospai...

E como previsto, o Corpo Seco que estava preso e atrofiado na corcunda de João foi se soltando. Como um bicho sorrateiro, ele foi se soltando e liberou as costelas do moço, que pode respirar fundo. Por fim, o corpo sorrateiro se transferiu para o tronco da árvore. Para não assustar o bicho, e com medo que esse pulasse novamente em seu lombo, João foi se afastando bem devagar, em passos lentos, sem olhar pra trás. Mas, passando o portão da fazenda, correu mais que um raio...

Dizem que o Corpo Seco está escorado na árvore Chorona até hoje... Quem passa de ônibus ou carro pela avenida Olivo Gomes fica admirado com sua beleza. Com saúde vital, essa árvore tornou-se símbolo da cidade. Trata-se de uma espécie nativa. Em 2012 a árvore foi tombada pelo Decreto 14.878/12, que a tornou imune ao corte em atendimento ao Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Artístico, Paisagístico e Cultural (Comphac). Seu guardião é o Corpo Seco que mora no alto de sua copa até hoje...

 

​Nota: O conto “O Corpo Seco da árvore Chorona” é uma recriação fantástica da lenda popular do Corpo Seco, presente em muitas versões no Vale do Paraíba, com dados históricos sobre  a árvore Chorona da espécie Samaneasaman, tombada e imune ao corte pelo Decreto 14.878/12, assinado em 10 de fevereiro de 2012.

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+ Sobre a Árvore Chorona

 

Em São José dos Campos, a árvore da espécie Samaneasaman, conhecida popularmente por Árvore da Chuva ou Chorona, entrou para o RankBrasil em 2017 como o recorde de maior árvore da espécie no país, com 40 metros de diâmetro de copa e 14 metros estimados de altura. O exemplar gigante fica no Parque da Cidade Roberto Burle Marx, em Santana, na região norte da cidade.

A área de projeção de copa da árvore chega a 988,22 metros quadrados, ou seja, a área que árvore sombreia. Trata-se de uma espécie nativa rara, encontrada com maior frequência no pantanal mato-grossense, no nordeste mineiro e na Amazônia Ocidental. O único exemplar que se tem registro em São José dos Campos foi tombado pelo Decreto 14.878/12, assinado em 10 de fevereiro de 2012.

O status de patrimônio ambiental atendeu a um pedido feito à época pela prefeitura junto ao Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Artístico, Paisagístico e Cultural (Comphac). Com o decreto, a árvore de copa extensa e frondosa, com idade média entre 90 a 100 anos, se tornou imune ao corte.

Para técnicos da Secretaria de Inovação e Desenvolvimento, que abrange o turismo, o recorde tem a importância de criar mais um ícone para a cidade, atraindo publicidade, gerando mais uma identidade e estimulando o desenvolvimento turístico.

A conservação e a fiscalização da árvore são realizadas pela Secretaria de Manutenção da cidade. O laudo que contribuiu para caracterização da espécie foi elaborado pela equipe técnica da Secretaria de Urbanismo e Sustentabilidade.

 

Texto - Fonte: http://servicos2.sjc.sp.gov.br/noticias/noticia.aspx?noticia_id=27741

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